INTERNET E REDES SOCIAIS COMO MEIO DE DENUNCIAR A VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES

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O presente trabalho possui como objetivo localizar e discorrer sobre o atual cenário de violência de gênero contra mulheres no Brasil e a partir daí demonstrar como a internet e,  mais especificamente, as redes sociais tem se tornado uma poderosa ferramenta de mobilização e voz ativa para mulheres em situação de violência (ou que testemunhem tais atos), para que elas possam se manifestar e possam denunciar as agressões, violências outras e preconceito em geral, bem como eventos que envolvam misoginia, a fim de criarem uma “rede” e se apoiarem mutuamente, em defesa e divulgação de seus direitos.

PALAVRAS-CHAVE: Violência contra a mulher. Redes sociais. Divulgação.

INTRODUÇÃO

A origem da sociedade brasileira colonizada deu-se com a vinda dos primeiros europeus com as caravanas de Pedro Álvares Cabral (abril de 1500), que se misturaram brutalmente às sociedades indígenas já existentes no território brasileiro e, um pouco mais tarde, com a chegada dos negros africanos em navios negreiros, para serem escravizados (desde a chegada dos portugueses até o século XIX).

Nada soa humanizado nem humanitário, pois assim procedeu-se. No período do ano de 1500 ainda não havia ocorrido a Revolução Francesa (1789-1799), e, portanto, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade ainda não haviam sido disseminados pelos europeus que aqui chegavam, trazendo consigo uma carga de machismo, preconceito e misoginia, construindo, desde seus primeiros passos, uma sociedade violenta, extremamente exigente e segregativa para as mulheres que nela estivessem inseridas, o que se perdura até o presente momento, em alguns numerosos termos.

DENUNCIANDO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ATRAVÉS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO – NA CONTRAMÃO DO DESCRÉDITO

Em estudo feito em jornais publicados no Brasil em final dos Oitocentos, vê-se que era comum a utilização da imprensa pelas mulheres como forma de denunciar a violência doméstica:

O Figaro de Pariz publicou estas duas cartas, trocadas entre marido e mulher:

Meu caro Paulo – Perdôa-me se te escrevo: mas é indispensavel fazê-lo.  Trata-se de um documento necessario para realizar nosso divorcio.  Deve provar o par de… bofetadas que tiveste a cortezia de me dar sem testemunhas, mas que forão recebidas pela Tua muito dedicada Luiza.

Resposta:

Minha querida Luiza – Apresso-me a declarar que, na noite de 19 de Fevereiro de 1890, te dei dous sopapos, que podem perfeitamente passar por sevícias graves.
Abraço-te tão ternamente como te amo.
Paulo. [1]

[1] Jornal do Commercio, 2/6/1890, n. 152, p. 01.

Era uma época de insegurança e desejo pela “liberdade” feminina em  contraponto com a ideia de cidadania um tanto reticente que a Constituição de 1891 trazia.  Por isso, a violência em face da mulher aparecia na imprensa trazida ao Brasil pela família real em 1808, como uma forma de exposição dos “castigos” impostos por pais e maridos às mulheres que seguiam estas ideias libertárias – tentando ter mais acesso à educação, ao mercado de trabalho e à política -, mas também àquelas mais submissas, pelo simples fato de que a mulher ainda não era reconhecida como cidadã, mas sim como uma propriedade, que poderia ser submetida a todas as vontades de seu possuidor.

Nísia Floresta, nos dizeres de Constância Lima Duarte, neste sentido, indica  a visão que se tinha da posição subalterna da mulher, a que se poderia dispensar o “tratamento” que melhor lhe parecesse ao pai/marido com o fito de “educá-la”, o que abre margem à legitimação de toda sorte de violência:

Enquanto no Direitos das mulheres a autora rejeitava a ideia de uma revolução radical nos costumes, no Opúsculo humanitário será diferente, e ela expressa o de sejo de uma completa transformação no sistema educacional. Chega inclusive a afirmar que não poderá haver no Brasil uma boa educação da mocidade enquanto “o sistema de nossa educação, quer doméstica, quer pública, não for radicalmente reformado”. Mas a autora tem consciência de que os preconceitos arraigados no espírito do brasileiro eram ainda muitos. Enumera os mais frequentes, tornando alguns capítulos desse livro quase que uma extensão do Direitos das mulheres. A fraqueza física, a incapacidade de reflexão e o natural gosto pelo adorno, citados pelos homens, seriam apenas pretextos para que as mulheres fossem mantidas em estado de submissão. Os homens não tinham interesse em educá-las para melhor as dominar, pois, afinal, é ela quem diz: “Quanto mais ignorante é um povo, mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu ilimitado poder” [2] 

[2] DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, p. 31. Disponível em: ˂http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4711.pdf˃. Acesso em 13 ago. 2015.

Neste passo, com a “legitimação da violência”, a mulher não poderia encontrar apoio em nenhuma faceta do poder público, recorrendo aos jornais, que compunham a mais forte “rede social” da época, numa tentativa de fazer cessar a violência.

Aos 02 de setembro de 1891, por exemplo, na seção Publicações a Pedido, o Jornal do Commercio veiculou carta de Frederica Francisca Duarte, na qual se dirigia a seu marido Viriato Bandeira Duarte, e comentava o artigo que ele produzira como uma represália à ação de divórcio que contra ele propôs, denunciando que o fez após três tentativas de assassinato dento do prazo de doze meses de casados, estando “cansada de soffrer toda a sorte de flagellos e ultrages, escapando ultimamente de ser assassinada […] chamei-o a juizo e intentei a acção, que se impunha e era de indeclinável necessidade.” [3] [3] Jornal do Commercio, 2/9/1891, n. 335, p. 03.

A imprensa servia até mesmo como uma espécie de “produção de prova” para uma ação de divórcio fundada em atos violentos praticados contra a mulher, pois toda a sociedade, legitimando estes atos quando cometidos pelo marido, não apresentava uma única testemunha do que o que estava sendo dito pela mulher era verídico.

De lá para cá, o descrédito na mulher quando denuncia a violência doméstica sofrida se utilizando de meios de comunicação continua, o que deveria causar muita estranheza pois, em ambiente doméstica, quase nenhuma outra prova haverá que não o relato da própria vítima, pois nem sempre a violência praticada deixa marcas passíveis de positivação através de auto de exame de corpo de delito.

É o que pode ser visto em algumas decisões de tribunais (não que sejam decisões que apareçam a todo momento, mas que merecem ser estudadas para que o descrédito não seja disseminado) abarcando o crime de lesão corporal leve, como a resumida na ementa abaixa transcrita:

TJ-SC – Apelação Criminal APR 20110963720 SC 2011.096372-0 (Acórdão) (TJ-SC)
Data de publicação: 13/08/2012
Ementa: LESÕES CORPORAIS MEDIANTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129 , § 9º , DO CP ). RECURSO DO RÉU. INVIÁVEL A ABSOLVIÇÃO. DEPOIMENTOS UNÍSSONOS E COERENTES, EM AMBAS AS FASES PROCESSUAIS, DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHA PRESENCIAL, QUANTO ÀS AGRESSÕES FÍSICAS E MORAIS PRATICADAS PELO APELANTE CONTRA A VÍTIMA. LESÕES NÃO COMPROVADAS POR PERÍCIA. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO (ART. 21 DO DEC.LEI 3.688/1941) QUE SE IMPÕE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS MEDIANTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129 , § 9º , DO CP ). RECURSO DO RÉU. INVIÁVEL A ABSOLVIÇÃO. DEPOIMENTOS UNÍSSONOS E COERENTES, EM AMBAS AS FASES PROCESSUAIS, DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHA PRESENCIAL, QUANTO ÀS AGRESSÕES FÍSICAS E MORAIS PRATICADAS PELO APELANTE CONTRA A VÍTIMA. LESÕES NÃO COMPROVADAS POR PERÍCIA. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO (ART. 21 DO DEC.LEI 3.688/1941) QUE SE IMPÕE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS MEDIANTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129 , § 9º , DO CP ). RECURSO DO RÉU. INVIÁVEL A ABSOLVIÇÃO. DEPOIMENTOS UNÍSSONOS E COERENTES, EM AMBAS AS FASES PROCESSUAIS, DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHA PRESENCIAL, QUANTO ÀS AGRESSÕES FÍSICAS E MORAIS PRATICADAS PELO APELANTE CONTRA A VÍTIMA. LESÕES NÃO COMPROVADAS POR PERÍCIA. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO (ART. 21 DO DEC.LEI 3.688/1941) QUE SE IMPÕE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS MEDIANTE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129 , § 9º , DO CP ). RECURSO DO RÉU. INVIÁVEL A ABSOLVIÇÃO. DEPOIMENTOS UNÍSSONOS E COERENTES, EM AMBAS AS FASES PROCESSUAIS, DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHA PRESENCIAL, QUANTO ÀS AGRESSÕES FÍSICAS E MORAIS PRATICADAS PELO APELANTE CONTRA A VÍTIMA. LESÕES NÃO COMPROVADAS POR PERÍCIA….
Encontrado em: Primeira Câmara Criminal Julgado Apelante: C. R. C.. Advogadas:  Maria Terezinha Mafra Espleter (4655/SC) e outro. Apelado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Advogado:  André Braga de Araújo (Promotor) Apelação Criminal APR 20110963720 SC 2011.096372-0 (Acórdão) (TJ-SC) Carlos Alberto Civinski
(g.n.)

É certo que há casos nos quais a pretensa vítima narra em sede policial/juízo versão inverídica de fatos.  Mas, para tal comportamento existe a fixação de pena pelo cometimento de crime de denunciação caluniosa e possibilidade de ajuizamento de ação por perdas e danos, não devendo tal ponto, portanto, florescer no peito das autoridades responsáveis pela aplicação da lei e pelo desenvolvimento de políticas públicas em prol do sexo feminino a lhes paralisar o entusiasmo, o investimento.

Então, em reforço na necessidade de mudança desse quadro, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do HC nº 143641, que trata da questão da substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, reconhece o atraso das políticas públicas a favor das mulheres.
Relembra, para exemplificar, que

“Em 14 de novembro de 2002, Alyne da Silva Pimentel Teixeira estava no sexto mês de gestação e buscou assistência na rede pública em Belford Roxo, no estado do Rio de Janeiro. Alyne era negra, tinha 28 anos de idade, era casada e mãe de uma filha de cinco anos. Com náusea e fortes dores abdominais, buscou assistência médica, recebeu analgésicos e foi liberada para voltar a sua casa.

Não tendo melhorado, retornou ao hospital, quando então foi constatada a morte do feto. Após horas de espera, Alyne foi submetida a cirurgia para retirada dos restos da placenta. O quadro se agravou e foi indicada sua transferência para hospital em outro município, mas sua remoção foi feita com grande atraso.
No segundo hospital, a jovem ainda ficou aguardando por várias horas no corredor, por falta de leito na emergência, e acabou falecendo em 16 de novembro de 2002, em decorrência de hemorragia digestiva resultante do parto do feto morto.

O caso foi apresentado à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), órgão ligado à ONU, pela mãe de Alyne, Maria de Lourdes da Silva Pimentel.
Em 2011, o Cedaw responsabilizou o Estado brasileiro por não cumprir seu papel de prestar o atendimento médico adequado desde o início das complicações na gravidez de Alyne. Para o órgão, a assistência à saúde uterina e ao ciclo reprodutivo é um direito básico da mulher e a falta dessa assistência consiste em discriminação, por tratar-se de questão exclusiva da saúde e da integridade física feminina.”
[4] [4] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/14/entenda-o-caso-alyne>. Acesso em 11.nov.2018.

Este caso representou, segundo informativo esquematizado disponível no sítio eletrônico denominado Dizer o Direito [5], citando Aline S. de Oliveira Albuquerque (ALBUQUERQUE, Aline S. de Oliveira; BARROS, Julia Schirmer. Caso Alyne Pimentel: uma análise à luz da abordagem baseada em direitos humanos. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, n. 12, jul. 2016, p. 11), “a primeira denúncia sobre mortalidade materna acolhida pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, incumbido de monitorar o cumprimento pelos Estados-parte da Convenção relativa aos Direitos das Mulheres”, asseverando ser a “única condenação do Estado brasileiro proveniente de um órgão do Sistema Universal de Direitos Humanos.”

[5] Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2018/03/prisao-domiciliar-para-gestantes.html>Acesso em 11.nov.2018.

A violência doméstica, portanto, pode e deve ser denunciada em redes sociais, na imprensa em geral, com forma de se angariar meios, modos e apoio à diminuição dos maus tratos contra a mulher praticados dentro de sua própria casa, com quem ela convive, podendo chegar até comitês internacionais, como foi o caso de Maria da Penha, que irradiou em um planejamento/orientações para o Brasil seguir e extirpar este tipo de crime da sociedade, ainda que gradativamente.

A VIOLÊNCIA EM NÚMEROS

Conforme pesquisa do Instituto Data Folha, conjuntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a maioria da população brasileira sente que a violência contra a mulher aumentou entre 2007 a 2017, sendo a maior percepção na Região Nordeste (76%), seguida pela Região Sudeste (73%). Além disso, dois a cada três brasileiros viu alguma mulher sendo agredida em 2016.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há um montante de 896 mil processos relativos a casos de violência contra a mulher a serem julgados, confirmando a presença desse tipo de violência nos lares brasileiros e mostrando a dificuldade da justiça brasileira a dar respostas a essas situações conflituosas.

Entre os anos de 1980 e 2013, o país contabilizou 106.093 assassinatos de mulheres. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil encontra-se em quinto lugar na posição de homicídios a mulheres, numa lista de 83 países, com 4,8 homicídios por 100 mil mulheres. A partir de março de 2015, foi sancionada lei que dispunha o assassinato de mulheres, por motivação de gênero, como feminicídio.

DAS AGRESSÕES E SILENCIAMENTO DAS VÍTIMAS

Conforme demonstrou a pesquisa compilada no “Mapa da Violência 2015”, em relação à agressão contra mulheres no Brasil, em todas as faixas etárias, a maior parte das agressões ocorrem em ambiente doméstico. A pesquisa também afirma que a violência física é a mais frequente, da psicológica e da sexual. Em relação ao local de agressão, a maior parte ocorre na residência da própria vítima.

Em espaços públicos, duas a cada cinco mulheres relatam ter sofrido algum tipo de agressão perpetrada nestes espaços, sendo que esta é ”naturalizada” pelas pessoas – no antigo jargão “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” -, pois a maior parte das pessoas sabem da agressão e nada fazem.  Além disso, o ambiente de trabalho tende a se tornar mais hostil para as mulheres, especialmente as mais jovens, independentemente do grau de escolaridade. Uma a cada cinco mulheres, entre 16 e 34 anos, relatam ter sofrido alguma forma de assédio no trabalho.

Apesar dos números expressivos no que se relaciona a quantidade de mulheres vítimas de violência, sabe-se que estes valores são meramente ilustrativos, já que a maior parte das vítimas sequer chega a ser contabilizada, seja por falta de denúncia, por medo de seus agressores ou ameaça, ou o pior, por serem desacreditadas e desqualificadas em seus relatos e denúncias pela justiça e pela sociedade, que tenta tornar a vítima a própria culpada, buscando justificativas para as violências.

Assim sendo, estas mulheres tornam-se cada vez mais oprimidas e presas no ciclo de violência, até casos extremos, onde seus algozes consumam o feminicídio.

Com a desqualificação das vítimas de misoginia e violências, começam as tentativas de silenciamento pelo patriarcado, tornando-as vilipendiadas pelo mesmo.

O silenciamento ocorre desde relações sociais habituais, como diálogos informais em jantares e nos ambientes de trabalho, no campo executivo ou científico, quanto para denúncias de misoginia e desigualdade salarial e de direitos.  Basta observar uma sala de aula ou uma mesa de jantar com pessoas de ambos os sexos e notar a desigualdade de iniciativa de fala e turnos de fala entre homens e mulheres.  As mulheres falam pouco, e quando falam seu argumento não é levado a sério ou é infantilizado, ou são interrompidas em seus raciocínios e manifestações – até as Ministras do STF, por vezes, são interrompidas em suas exposições, de forma muito desrespeitosa, por seus pares.

Uma das formas que as mulheres encontraram para se libertar das amarras patriarcais que as impediam de se expressar foi a literatura. Porém, obstáculos, como a precariedade da alfabetização das mulheres, no século passado, tornavam-se um grande empecilho, tanto para as que queriam escrever quanto para um possível público alvo leitor, sendo a literatura e escrita, privilégio das classes abastadas (nada muito diferente da sociedade atual, que ainda conta com números expressivos de analfabetas e analfabetas funcionais), e da autorização de seus pais e maridos. Muitas dessas mulheres, precisavam usar pseudônimos masculinos para que conseguissem publicar suas obras e produções literárias.

No começo do século XIX, além da escolarização principiar lentamente, o ensino era separado para meninos e meninas, e o segundo grupo foi excluído por um bom tempo de acesso a conhecimentos mais profundos – lhes era ensinado o suficiente para a gerência de um lar. Mesmo no final do século XIX, décadas depois das mulheres terem sido inseridas nas escolas, elas continuavam a não representar sequer metade, em parte por resistência das famílias e em parte por causa do Estado, que fazia com que elas entrassem na escola algum tempo mais tarde.

Outra forma de cerceamento era a restrição de escrita às mulheres no século XIX que, por exemplo, era exclusiva para cartas aos familiares. Fora isso, quando a escrita delas não era desestimulada, se concentrava em campos bem específicos, como obras voltadas ao público infantil.

A correspondência, entretanto, é um gênero muito feminino. Desde Mme. Sévigné, ilustre ancestral, a carta é um prazer, uma licença, e até um dever das mulheres. As mães, principalmente, são as epistológrafas do lar. Elas escrevem para os parentes mais velhos, para o marido ausente, para o filho adolescente no colégio interno, a filha casada, as amigas de convento. Suas epístolas circulam eventualmente pela parentela. A carta constitui uma forma de sociabilidade e de expressão feminina, autorizada, e mesmo recomendada, ou tolerada. (PERROT, 2008: 29)

Georges Duby e Michele Perrot foram dois dos poucos pesquisadores que escreveram sobre a história do silenciamento feminino e a literatura feminina na sociedade ocidental:

A escuta direta da sua voz depende, no entanto, de seu acesso aos meios de expressão: o gesto, a fala, a escrita. Questão de alfabetização, é certo, que em geral é posterior à dos homens, mas que pode, localmente, precedê-la; mas, mais ainda, questão de penetração num domínio sagrado e sempre marcado pelas fronteiras flutuantes do permitido e do proibido. Há gêneros admitidos: a escrita privada, nomeadamente a epistolografia, que nos dá os primeiros textos de mulheres e as suas primeiras obras literárias (Madame de Sévigné), antes que a correspondência, tornando-se um dever feminino comum, se transforme numa mina inesgotável de informações familiares e pessoais; a escrita religiosa, que nos permite ouvir santas, místicas, abadessas de renome — Hildegarda de Bingen, Herrade de Landsberg, autora de Hortus Deliciarum — , mulheres protestantes emprenhadas no ardor dos “revivals”, senhoras caridosas dedicadas à moralização dos pobres. Qual foi a concessão religiosa mais propícia à expressão feminina, e sob qual forma? Pelo contrário, há domínios praticamente proibidos: a ciência, cada vez mais, a história, e sobretudo a filosofia. A poesia e o romance constituem, a partir do século XVII, a frente pioneira das Preciosas, conscientes do desafio que a linguagem representa. (DUBY; PERROT, 1990: 11)

Michelle Perrot e Georges Duby estabelecem em suas pesquisas o âmbito do privado como o local de desenvolvimento da escrita feminina. Assim sendo, a oposição do público-privado, que constrói a relação com o social-individual e masculino-feminino, deixa clara a esfera de produção feminina. À mulher era permitido acesso às cartas e diários, inicialmente. Posteriormente, as poesias e romances. A ciência, como história e filosofia, era campo proibido, deixando a produção feminina restrita aos campos do privado (cartas) e íntimo (diários).   Perrot coloca ainda os quartos como o local de produção feminina.

Como dito anteriormente, após o início das produções femininas de posição social e pública, para coagir as mulheres escritoras, estereótipos começaram a surgir. A partir de então, as dificuldades estenderam-se não só à produção, mas também à publicação, que, por vezes, só se dava por meio de pseudônimos masculinos – sem dúvida, escrever é, em si, suficientemente subversivo, principalmente em dias atuais, onde qualquer pessoa pode ser um “influenciador”, um “digital influencer”.

A partir da metade do século XIX, no Brasil começaram a surgir periódicos dirigidos e direcionados a mulheres.

Julia Lopes de Almeida, escritora, foi uma das idealizadoras da Academia Brasileiras de Letras, mas excluída na primeira reunião da ABL, pois os fundadores optaram por manter a Academia totalmente masculina, como a Academia Francesa; e esse veto só caiu em 1977, com a entrada da Rachel de Queiroz.

Porém, apesar de excluídas e escondidas pelos homens, elas sempre produziram peças, poesias e romances dos mais variados gêneros e nos mais variados países – tocando na temática dos direitos femininos, de forma mais direta ou não.

Uma delas, inclusive, foi muito importante no período do Renascimento: Cristina de Pisano (por muitos, apontada como primeira escritora feminista). A obra da escritora sobreviveu há mais de seis séculos, e, ainda assim, não se ouve falar dela na historiografia literária tradicional.

O século XX, no Ocidente e no Brasil, foi marcado pela grande presença feminina no âmbito público. A participação de grupos de mulheres na vida pública, principalmente no mundo do trabalho e das indústrias, decorrente da Revolução Industrial, foi acentuada no período das I e II Guerras, o que alterou significativamente o panorama da presença deste gênero na esfera social.

Mesmo que as mulheres já viessem, desde o século XIX, reivindicando direitos como o sufrágio, direitos trabalhistas, etc., foi apenas no século XX que houve realmente o que poderíamos chamar como a Revolução Feminista. Revolução no sentido que em se alteraram, ao menos teoricamente, as relações de poder determinadas exclusivamente no patriarcalismo e na primazia social masculina: pela primeira vez na história, mulheres tiveram direito ao sufrágio, direitos trabalhistas perto de alguma igualdade, acesso à educação; pela primeira vez houve leis de proteção às mulheres, e, incluindo ainda, o desenvolvimento da medicina que levou à liberdade sexual feminina.

Outra autora e pesquisadora, Elaine Showalter, trouxe a proposta de  dar voz às mulheres “esquecidas” ou silenciadas pelo cânone, ou melhor, pela História da Literatura. Olhar para essas produções, pesquisá-las a partir de novos paradigmas, eliminando as marcas da suposta diferenciação, negativa para reivindicar o lugar da mulher na produção literária, é a proposta da ginocrítica. Para Elaine Showalter a crítica literária que relaciona a escrita da mulher e a cultura da mulher, ou seja, todos os elementos que estão envolvidos na construção do sujeito.

Uma teoria baseada em um modelo da cultura da mulher pode proporcionar, acredito eu, uma maneira de falar sobre a especificidade e a diferença dos escritos femininos mais completa e satisfatória que as teorias baseadas na biologia, na lingüística ou na psicanálise. […] Uma teoria cultural reconhece a existência de importantes diferenças entre as mulheres como escritoras: classe, raça, nacionalidade e história são determinantes literários tão significativos quanto gênero. (SHOWALTER, 1994: 44)

Já nos tempos hodiernos, conhecidos como século XXI, o grande marco literário e de emancipação feminina deu-se à popularização da internet. Por meio dela, as mulheres começaram a publicar o que pensam em sites e blogs autônomos, tornando-se formadoras de opinião, bem como, reunindo grupos de minorias para prestarem apoio mútuo e expansão de conhecimento, proteção e denúncias contra violências de gêneros, assim como serviu para a enorme avalanche de acesso à conhecimentos e pesquisas, antes restritos aos limites físicos de universidades e institutos.

Com a internet, surgiram as redes sociais, forma facilitadora de aproximação entre pessoas, ideais e ideias. Criaram-se grupos de apoio e denúncias de situações misóginas, rapidamente abraçados como causas e motivadores de mudanças sociais, por comunidades e coletividades mais humanas e justas. Surgiram as influenciadoras que trazem para as mulheres novos olhares, novas formas de pensar o próprio feminismo – canais como Acidez Feminina, Nunca te pedi nada, entre tantos outros, popularizam aspectos da vida feminina e das lutas das mulheres, discutindo movimentos do dia a dia como o comportamento masculino de sentar com as pernas bem apertas em transportes públicos, invadindo o espaço da mulher, o conhecido “menspreading”.

Os artigos 1º, III, 5º, II e IX, da Constituição Federal puderam tomar força e ser exercidos com mais amplitude, vez que, agora, a voz feminina não se restringe a impressos que dependem do crivo masculino e patriarcal para chegarem ao alcance de seu público alvo, apesar de ainda sofrerem ataques, tanto às suas honras, quanto ameaças e sabotagens virtuais consistentes em hackeamento e derrubada de páginas.

Grupos de advogadas reúnem-se em ONGs que oferecem ajuda e informação acerca de violência obstétrica e violência doméstica, como a ONG Artemis, que tem como lema “Pelo Fim da Violência Contra Mulheres”; o “Tamo Juntas”, que fornece assessoria multidisciplinar gratuita para mulheres, fundado  por advogadas de Salvador, Bahia; ou mesmo o jornalismo mais geral, como o praticado pelo The Intercept Brasil, que prega “Jornalismo sem amarras, que dá nome aos bois”, e denomina-se jornalismo investigativo em busca da defesa da democracia; tendo estes cenários abrangência de discussão e de posicionamento do público em geral no Instagram, Facebook e Twitter, por exemplo.

As discussões sobre a violência contra a mulher e sobre direitos femininos, assim, hoje em dia são amplamente difundidas, chegando com maior facilidade em um número maior de pessoas.  Se veiculada de forma responsável, a informação é o começo da transformação das mentes, das realidades, dos paradigmas,  e leva à construção de uma sociedade mais fincada em seus próprios propósitos e mais preparada para as questões futuras que surgirão.

CONCLUSÃO

Muito mais artigos científicos e pesquisas feitas por mulheres chegam à divulgação em revistas científicas e anais de eventos, visto o encurtamento de distâncias físicas para produção e envio dos mesmos.  As redes sociais deixa todas as pessoas aproximadas, por mais diferentes que elas sejam.

Coletivos feministas tornaram-se mais amplos e abrangentes, com grupos em redes sociais como Facebook, onde milhares de mulheres podem protestar juntas em prol de uma causa e mobilizar e pressionar o Estado e empresas, a tomarem medidas e posicionamentos contra atitudes machistas e que estejam em desacordo à dignidade da pessoa humana, influenciando inclusive, nas eleições presidenciais.

Além dos casos de causas coletivas, na internet, milhares de mulheres encontram apoio e informações, inclusive sobre seus direitos, para identificarem que são vítimas de violência doméstica, de assédio no ambiente de trabalho e de muitas outras violências, para assim, poderem as denunciar (ou inclusive divorciarem-se), buscando amparo jurídico e proteção.

REFERÊNCIAS

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