RECONHECMENTO JURÍDICO DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS E A SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA

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– FICHAMENTO DE DOCUMENTOS QUE TRATAM DA QUESTÃO EM ÂMBITOS INTERNACIONAL E NACIONAL

O termo “direitos reprodutivos” tornou-se público no I Encontro Internacional de Saúde da Mulher realizado em Amsterdã, Holanda, em 1984. Houve um consenso global de que esta denominação traduzia um conceito mais completo e adequado do que “saúde da mulher” para a ampla pauta de autodeterminação reprodutiva das mulheres –  A formulação do conteúdo dos direitos reprodutivos teve início, pois, em um marco não-institucional, de desconstrução da maternidade como um dever, por meio da luta pelo direito ao aborto e anticoncepção em países desenvolvidos.

Os direitos sexuais, por sua vez, começaram a ser discutidos no final da década de 80, com a epidemia do HIV/Aids, principalmente dentro do movimento gay e lésbico, a quem se juntou parte do movimento feminista.

Os direitos reprodutivos compreendem o direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos/as e de ter a informação e os meios de assim o fazer, gozando do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva.

Podem ser traduzidos como sendo, por exemplo, o direito individual de mulheres e homens em decidir sobre se querem, ou não, ter filhos/as; em decidir em que momento de suas vidas e quantos/as filhos/as desejam ter; de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência; de homens e mulheres participarem com iguais responsabilidades na criação dos/as filhos/as; de ter acesso a serviço de saúde pública de qualidade e acessível, durante todas as etapas da vida;  de doação e ao tratamento para a infertilidade.

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no ano de 1948, a comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), vem firmando uma série de Convenções Internacionais nas quais são estabelecidos estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle que garantam um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados direitos humanos.

Na plataforma de ação adotada por 189 delegações participantes da IV Conferência Internacional da Mulher, realizada em Beijing, na China, em 1995, na qual o Brasil participou, reafirmou-se a definição de saúde sexual e reprodutiva que se estabelece no seu parágrafo 96: “Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito de controle e decisão, de forma livre e responsável, sobre questões relacionadas à sexualidade, incluindo-se a saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência. A igualdade entre mulheres e homens no que diz respeito à relação sexual e reprodutiva, incluindo-se o respeito à integridade, requer respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades pelos comportamentos sexuais e suas consequências.”

Os direitos reprodutivos foram, entretanto, sistematizados pela primeira vez no documento marco da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento das Nações Unidas (CIPD), realizada no Cairo, no Egito, em setembro de 1994.

No capítulo VII, da Plataforma de Ação do Cairo, os direitos reprodutivos estão definidos da seguinte forma: “Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência.” (§ 7.3).

Segundo o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, os direitos reprodutivos baseiam-se na promoção do exercício responsável e livre desses direitos por todo indivíduo e de políticas e programas de governos e da comunidade na área da saúde reprodutiva, inclusive o planejamento reprodutivo.

Para que eles sejam alcançados, nos dizeres de documento da ONU – Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas -, toda atenção deve ser dispensada à promoção de relações de gênero respeitosas e equitativas, particularmente, à satisfação de necessidades educacionais e de serviço de adolescentes para capacitá-los a tratar sua sexualidade de uma maneira positiva. Desta forma, a agenda de promoção dos direitos reprodutivos prioriza a satisfação da necessidade de informações adequadas sobre a sexualidade humana e de acesso a serviços de saúde reprodutiva de qualidade e não-discriminatórios; a eliminação de práticas sociais discriminatórias; a erradicação de atitudes negativas com relação às mulheres e às jovens; a promoção da autonomia de mulheres e meninas sobre suas próprias vidas sexuais e reprodutivas; o acesso de adolescentes a informação e serviços amigáveis que contribuam para eliminar a situação de vulnerabilidade a que estão propensos.

Princípios e diretrizes para promoção dos direitos reprodutivos da América Latina e do Caribe foram reafirmados e atualizados pelo Consenso de Montevideo sobre População e Desenvolvimento, aprovado no âmbito da Primeira Reunião da Conferência Regional sobre Casamentos forçados Direitos reprodutivos População e Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, que ocorreu em agosto de 2013.

Deve-se lembrar que a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade. A saúde sexual e reprodutiva refere-se a todas as matérias relativas ao sistema sexual e reprodutivo e a suas funções e processos.  A saúde sexual implica que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, a partir do acesso à informação, insumos e serviços de prevenção e tratamento de doenças e infecções sexualmente transmissíveis.

A saúde reprodutiva, ainda nos esclarece o Glossário da ONU, implica que o indivíduo tenha a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando, e quantas vezes o quer fazer. Implícito nesta última condição está o direito de homens e mulheres de serem informados/as e de ter acesso a métodos eficientes, seguros, permissíveis e aceitáveis de planejamento familiar de sua escolha, assim como outros métodos, de sua escolha, de controle da fecundidade, e o direito de acesso a serviços apropriados de saúde que deem às mulheres condições de passar, com segurança, pela gestação e pelo parto e proporcionem a melhor chance de ter um/a filho/a sadio.

A assistência à saúde reprodutiva é definida como o conjunto de métodos, técnicas, insumos e serviços que contribuem para a saúde e o bem-estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo problemas de saúde reprodutiva.  Os serviços de saúde sexual e reprodutiva devem atender às necessidades dos/as usuários/as e devem estar disponíveis para todas as pessoas, ser acessíveis, aceitáveis e de alta qualidade. Como exemplos destes serviços, incluem-se assistência ginecológica, formas de contracepção segura e efetiva, aborto seguro e assistência pós-aborto nos casos permitidos por lei, assistência à saúde materna, prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, atendimento para vítimas de violência sexual e de gênero, tratamentos de infertilidade e fertilidade, prevenção, diagnóstico e tratamento de câncer de mama e do aparelho reprodutor, entre outros.

Além disso, numa perspectiva mais ampla de bem-estar, a saúde sexual requer uma aproximação positiva e respeitosa à sexualidade e aos relacionamentos sexuais, assim como a possibilidade de ter experiências sexuais agradáveis e seguras, livres de coerção, discriminação e violência.

Na seara nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil inclui, conforme descrito no Caderno nº 1 da Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos,  do Ministério da Saúde, no Título VII da Ordem Social, em seu Capítulo VII, art. 226, § 7º, a responsabilidade do Estado no que se refere ao planejamento familiar, nos seguintes termos: “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

Em 12 de janeiro de 1996, foi sancionada a Lei n.º 9.263, que regulamenta o planejamento familiar no Brasil e estabelece o seguinte em seu art. 2º: “Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.”

A política do planejamento familiar vem sendo desenvolvida pelo Ministério da Saúde em parceria com estados, municípios e sociedade civil organizada, no âmbito da atenção integral à saúde da mulher, do homem e dos(as) adolescentes, enfatizando-se a importância de juntamente com as ações de planejamento familiar promover-se a prevenção do HIV/Aids e das outras doenças sexualmente transmissíveis (DST).

No Brasil, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde nas primeiras décadas do século XX, mas os programas implementados voltavam-se exclusivamente para a assistência aos problemas decorrentes da gestação e do parto.

A partir da década de 60, iniciam sua atuação no Brasil diversas entidades de caráter privado voltadas para o controle da natalidade, financiadas por agências internacionais que tinham o interesse em reduzir o crescimento populacional no País. Ao mesmo tempo, verificava-se atuação quase inexistente do setor público no campo do planejamento familiar, existindo, como já referido, enfoque da assistência no ciclo gravídico-puerperal. Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), com a colaboração de representantes de grupos feministas, gestores estaduais e pesquisadores das universidades.

O PAISM constitui-se como marco histórico, na medida em que introduz novo enfoque nas políticas públicas voltadas para a saúde da mulher, centrado na integralidade e na eqüidade das ações, propondo abordagem global da saúde da mulher em todas as fases do seu ciclo vital, e não apenas no ciclo gravídico puerperal.

No elenco mínimo de ações preconizadas pelo Programa, encontrava-se o planejamento familiar. No que se refere, particularmente, à anticoncepção, os métodos anticoncepcionais começaram a ser distribuídos aos estados pelo Ministério da Saúde, de forma descontínua, na segunda metade da década de 1980, quando se iniciou a implementação do PAISM.

As propostas e diretrizes 2005-2007 do Ministério da Saúde, foram as seguintes:

  1. Ampliação da oferta de métodos anticoncepcionais reversíveis no SUS;
  2. Elaboração e distribuição de manuais técnicos e de cartilhas educativas:
  3. Capacitação dos profissionais de saúde da atenção básica para assistência em planejamento familiar;
  4. Seminário para Pactuação da Política Nacional para Atenção Integral à Saúde da Mulher;
  5.  Atenção em reprodução humana assistida na rede SUS;
  6. Ampliação do acesso à esterilização cirúrgica voluntária no SUS;
  7.  Ampliação do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas;
  8. Termo de cooperação com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres;
  9. Elaboração de documento sobre saúde sexual e reprodutiva para os países do Mercosul;
  10. Apoio e desenvolvimento de pesquisas;
  11.  Atenção à saúde sexual e à saúde reprodutiva de adolescentes e jovens;
  12.  Atenção à saúde de homens e mulheres em situação de prisão;
  13.  Implantação e implementação de serviços para atenção às mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual e doméstica e para atenção humanizada às mulheres em situação de abortamento
  14. Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal.

Nota-se, a partir dos objetivos estabelecidos pelo Governo para pautar a ações envolvendo direitos sexuais e reprodutivos, que a concepção destes direitos fora ampliada para compreender não somente o planejamento familiar e acesso aos meios de contracepção, mas também os cuidados antes, durante e após a concepção, incluindo a atenção à reprodução assistida, até então não contemplada pelas políticas públicas.

A universalização dos direitos reprodutivos na seara das políticas públicas vem acontecendo por meio de diversas iniciativas institucionais, a exemplo da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), implementada em agosto de 2009 pela Coordenação Nacional de Saúde dos Homens – CNSH/DAET/SAS/MS, componente do Departamento de Atenção Especializada e Temática do Ministério da Saúde, que traz como uma de suas metas “incluir os homens como sujeitos nos programas de saúde/direitos sexuais e reprodutivos, especialmente no que se refere às ações de contracepção, pré-natal e puericultura e cuidados familiares” (BRASIL, 2011).

As políticas públicas relacionadas aos direitos reprodutivos se destinam ainda ao público composto por adolescentes e jovens, aos quais se direcionam algumas medidas específicas como o seminário “O SUS e a Saúde Sexual e Reprodutiva de Adolescentes e de Jovens”, realizado em 16/12/2014, em Brasília (DF).

Não se pode, ainda, esquecer que há a questão das mulheres privadas da liberdade, custodiadas no Sistema Prisional, pois é importante discutir a situação da saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres e os cuidados de saúde ofertados pelos serviços de Saúde Penitenciária locais.

Como conclusão, tem-se que o fenômeno de constitucionalização de relações tipicamente privadas teve sua origem no surgimento do Estado social, onde o pilar principal foi a promoção dos interesses sociais. Neste contexto, por englobar direitos essenciais da pessoa humana (direito à vida, à liberdade, à saúde, ao planejamento familiar, etc.), os direitos reprodutivos deixaram de ser concebidos como um interesse meramente privado para serem compreendidos a partir do enfoque constitucional e legal, como visto.

A regulação da sexualidade mantém-se até o presente na interface entre o público e o privado. Se por um lado, o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos está no âmbito da privacidade e da liberdade sexual relativa à forma como se obtém prazer e se procria; por outro, é preciso a proteção estatal para que essas liberdades possam ser exercidas plenamente, sem discriminação, coerção ou violência. O equilíbrio da regulação e desregulação estatal – ou seja, entre liberdade e proteção.  O eterno desafio do Direito.

Fontes:

http://www.adolescencia.org.br/site-pt-br/direitos-reprodutivos#:~:text=Os%20DR%20compreendem%20o%20direito,de%20sa%C3%BAde%20sexual%20e%20reprodutiva.

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_direitos_sexuais_reprodutivos.pdf

http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252012000200011

https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/06/Glossario-ODS-5.pdf

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452008000100004

http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v15n43/pt_docencia1.pdf

http://www.uel.br/pos/mestradoservicosocial/congresso/anais/Trabalhos/eixo5/oral/51_politicas_publicas….pdf

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